quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Whining

            Tempos atrás, num feriado de setembro, fui visitar uma amiga que recentemente mudou-se para Cascavel. Conhecendo bem a cidade, não tendo nenhum interesse maior em permanecer por lá e dispondo de tempo suficiente, acabamos por decidir que uma visita rápida à Argentina (mais especificamente, a Porto Iguaçu) não era má ideia e, no dia seguinte à minha chegada, cantando Chico Buarque a plenos pulmões, dirigimo-nos à fronteira com a mais nobre das intenções: Comprar.
            Acontece que, como resolvemos a viagem sem muito planejamento, o quarto do nosso hotel era terrível, motivo pelo qual eu desci até a recepção para reclamar da água do chuveiro que não esquentava. Nesta ocasião, um homem de meia-idade que estava na fila – educadíssimo – cedeu-me seu lugar. Encontramos esse mesmo homem no Free Shop horas mais tarde (eu precisava urgentemente de uma garrafa de Drambuie) e, enquanto escolhíamos alguns vinhos, ele veio até nós para recomendar um Malbec premiado. Agradeci a ajuda, mas não levei o vinho – era caro demais e eu não pagaria aquilo por uma bebida que não havia experimentado.
            Um dia e meio depois, saí para jantar sozinha – minha amiga, que tem cento e dois centímetros de quadril, havia se engraçado com um turco. Qual não foi a minha surpresa ao perceber que, na mesa logo ao lado da minha estava o senhor que fora tão gentil comigo por duas vezes em minha curta estada! Ele me cumprimentou e retribuí com um sorriso. Disse-me que o vinho que estava tomando era o mesmo que havia me recomendado, e pediu ao garçom que servisse uma taça “à senhorita”, para que eu o provasse. Senti certo desconforto ao perceber que a esposa do senhor retornava naquele exato instante. A mulher, muito elegante, sorriu para mim e comentou que Mendoza produzia os melhores vinhos dali, e que se eu decidisse comprá-lo, não deveria deixar de levar também o Cabernet Sauvignon. Meu incômodo deu lugar a um quase choque. Como assim, ela não me perfurara com o olhar? Como assim, ela não viera em minha direção e derramara o conteúdo da taça em meu vestido?
            Talvez eu estivesse valorizando demais os meus encantos. Mas não era isso: Eu sabia que o senhor não estava interessado em mim. Por que então imaginei que a sua mulher reagiria de outra forma? A resposta é óbvia, e um tanto inconveniente: Acostumei-me tanto ao senso-comum que ele havia-se impregnado em mim, surgindo com despropósitos como aquele quando eu menos esperava. Céus, como pude tornar-me tão classe média, no pior sentido da palavra? Afinal, o espetáculo da vida não se resume a oscilar entre a felicidade do comercial de margarina e o drama da novela das oito. Ao menos não para os esclarecidos.
            Sem mais devaneios: Acabei comprando o tal vinho, que era uma delícia. Porém o passeio não me rendeu somente algumas aquisições etílicas. Percebi, muito contrariada, que por vezes bradamos contra a sociedade sem notar que a mudança efetiva de mentalidade – mesmo a nossa – só acontece quando estamos atentos, comprometidos com nossas convicções até nos momentos mais banais. Do contrário, jamais estaremos acima das convenções e jamais seremos livres – no máximo, mal-acorrentados.

3 comentários:

  1. Lucia,
    As constatações tornam-se óbvias à medida que damos seguimento ao percurso. :)

    Beijo :)

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  2. Gente.
    Que texto mais "politicamente" correto!
    gostei.

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  3. pensei que terminava em um menage.
    isso é senso comum? hahaha


    ficou muito bom! :)

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